I. PT x PSDB: querelas entre partidos da ordem
Com o espetáculo da “condução coercitiva” de Lula pela PF para depor na Lava-jato e o pedido de prisão preventiva, tanto petistas quanto opositores de direita – independentes, pequenos e médio empresários, ou organizados institucionalmente principalmente ao redor do PSDB – tentam reavivar a, até então já fria, falsa polarização entre os dois partidos. Entretanto, após os 13 anos de governo federal petista não resta espaço algum para dúvidas: a política aplicada pelo governo petista é a mesma da direita, é contrária aos interesses de nossa classe e é fundamentalmente igual a defendida e aplicada por governos do PSDB e do PMDB – ainda mais ao darmos destaque para o fato de que frente aos primeiros sintomas de aprofundamento da crise econômica mundial em terras brasileiras, Dilma e seu partido não hesitaram em promover ataques generalizados as condições de vida dos trabalhadores, conjuntamente com os demais partidos da ordem. Cortes e restrição de direitos, privatizações, concessões, terceirização, repressão, chacinas e genocídios formam o cerne comum de ambos os partidos e seus governos. O que, na verdade, chega a ser óbvio, dado que a autonomia total da política na gestão do Estado é sempre uma ilusão: quem determina de fato as medidas a serem implementadas são os grandes capitalistas, imperialistas nacionais e internacionais; detentores dos meios de produção. A função da presidenta, dos governadores e parlamentares é tão somente a de gerenciar de maneira mais eficiente possível o aparato político para os grandes empresários, banqueiros e latifundiários: não passam de funcionários a serviço do capital.
Se as querelas entre petistas e tucanos não envolvem de fato diferenças e divergências políticas, o que explica sua persistência?
Num primeiro momento, é possível olhar para esta tensão como uma briga entre setores da burocracia governamental capitalista por mais espaço nesta; uma briga por mais cargos e acesso à verbas estatais. Se certamente não está em questão a manutenção das linhas gerais da política aplicada pelo estado brasileiro – independente do partido na presidência, o programa aplicado será o da “Agenda Brasil” – as farpas entre petistas e tucanos se revela como uma mesquinha disputa entre facções da política institucional, questão por completo irrelevante para os trabalhadores ou qualquer outro que não componha a burocracia estatal.
Entretanto, não é possível se limitar a esta dimensão das tensões políticas. Evidentemente que para uma rusga política tomar tamanho vulto, há relação com a base estrutural da sociedade – com a divisão social entre capitalistas e trabalhadores. Para compreender esta relação, se faz necessário revisitar – ainda que brevemente – o desenvolvimento recente da luta de classes no Brasil.
II. Da “pax social petista” à crise política institucional
Após o total abandono de qualquer pretensão de transformação social e contestação da ordem imperialista – que tem como marco simbólico a “Carta ao povo brasileiro” lançada ao público por Lula em 22 de junho de 2002 – setores significativos do empresariado nacional e internacional optaram pelo PT na disputa presidencial. A combinação entre o respeito amplamente presente na classe trabalhadora à figura carismática de Lula, com o controle de parte significativa dos aparatos sindicais, estudantis e da luta dos sem-terra, colocava Lula e o PT como uma opção mais capaz de aplicar as políticas requisitadas pelo capital nacional e internacional evitando ao máximo conflitos classistas. Somando a liderança mítica de Lula com o aparelhamento das entidades organizativas de nossa classe, o capitalismo brasileiro conseguiu garantir muitos anos de estabilidade e governabilidade.
Há tempos não chegávamos tão perto da utopia burguesa da “Paz Social”, da total aceitação e subordinação dos trabalhadores à ordem e à exploração capitalista. A luta tanto na cidade como no campo diminuiu drasticamente, como é indicado pelo gráfico abaixo que mostra o vale no total de greves no período:
Entretanto, como este mesmo gráfico indica, os anos de ouro da “pax petista” não duraram para sempre – o que é óbvio, dado que o motor da história, as contradições entre as classes sociais, continuou inalterado. Além do expressivo aumento quantitativo do número de greves, é necessário levar em conta também a radicalização das greves e mobilizações; o aspecto qualitativo do acirramento da luta de classes. Além da retomada de métodos históricos de nossa classe – como a ocupação de fábricas e escolas, o corte de grandes avenidas e rodovias.
Se a já citada carta de Lula em 2002 é um marco simbólico do início do período de “pax petista” – de uma maior calmaria na luta de classes alcançada a partir em grande medida do domínio das organizações da classe trabalhadora e sua juventude – a jornada contra o aumento da tarifa do transporte de massas de junho de 2013 pode ser compreendida como um marco simbólico de rompimento.
Com o PT no gerenciamento da máquina governamental, intensificou-se as contradições entre os interesses destes – já então meros funcionários do capitalismo nacional e internacional – e do conjunto da classe trabalhadora brasileira. Acoado nesta insolúvel contradição, ocorre um profundo processo de desgaste do PT e de afastamento do conjunto dos trabalhadores deste projeto. Com o inicio do governo Dilma e o aprofundamento do impacto da crise econômica mundial na situação nacional, este processo se intensificou rapidamente – quase pondo em risco a própria continuidade da dinastia petista na segunda eleição de Dilma, vencida por uma diferença ínfima de votos. O desgaste do governo federal petista atinge, então, tamanho vulto que nos permite falar em termos de crise política, onde a estabilidade social e a governabilidade se mostra em risco. Dilma, seu partido e seu governo não mais se mostram como uma boa opção para a introdução das políticas interessantes e necessárias ao empresariado nacional e internacional, pois os trabalhadores cada vez mais relutam em aceitar passivamente seus ataques. Intensificados com o aprofundamento da crise econômica e seu impacto no capitalismo nacional.
É neste marco de fraqueza e descrédito entre nós, massas trabalhadoras, que setores consideráveis do empresariado começam a pensar em mudança. Começam a pensar que já é hora de trocar o grupo de servidores que gerem seu Estado.
III. Saídas burguesas para a crise da política institucional: “Volta PSDB” ou “volta Lula”?
Duas pretensas alternativas de superação da crise política institucional e de retomada da governabilidade e da legitimidade do Estado e do governo se mostram hoje: ou o retorno da camarilha tucana ao governo federal; ou o retorno do carismático Lula. Entre estas duas possibilidades se dividem os grandes empresários, banqueiros e capitalistas; os políticos e burocratas da ordem e seus partidos. Até agora ao menos, é gritante o pouquíssimo engajamento popular nessa disputa fratricida entre partidos da ordem capitalista brasileira.
A primeira possibilidade, o retorno do PSDB ao poder, ainda que pareça razoável para a setores médios da população – onde mais abertamente tem se expressado o crescimento da extrema direita – e mesmo para parte dos grandes empresários, por diversos motivos – desde da alternância de poder em abstrato – evidentemente não será capaz de acalmar os ânimos dos trabalhadores e reverter à tendência dos últimos tempos de acirramento da luta classista. A governabilidade tucana dependeria da repressão e de amplos pactos entre os partidos da ordem – entretanto, Dilma e Lula já garantiram os instrumentos repressivos necessários para tal, como a Força Nacional e a lei “antiterror”.
Já a segunda, o retorno de Lula ao poder, diretamente se relaciona com sucesso de sua manobra política de descolamento da imagem do PT e do ex-presidente, do governo da atual presidenta. Mas também, com o acrítico apelo à classe trabalhadora em seu conjunto suas entidades e organizações política de unidade em defesa do governo e do PT contra a direita. Ou seja, o sucesso da empreitada do “Lula 2018”, dependente do não reconhecimento, por um lado, deste partido, com seus burocratas, parlamentares e gestores, como responsáveis tanto por ataques as nossas condições de vida quanto por parte de nossas derrotas; mas por outro, da total negação de que exista relação entre os o real desenvolvimento histórico do projeto petista e seus elementos constitutivos – reformismo, eleitoralismo, conciliação de classe. A manutenção do PT na presidência depende de um burlesco e absurdo sucesso da afirmação sartriana de que “o inferno são outros” – a decadência e degeneração petista colocada como culpa exclusiva do imperialismo, da direita, da esquerda, e mesmo, dos próprios trabalhadores em seu conjunto.
Da perspectiva de nossa classe, nenhuma dessas duas saídas nos interessam: ambas convergem na execução da agenda de cortes e ataques, e no endurecimento do regime e da repressão.
IV. Por uma saída dos trabalhadores: romper e avançar
Nesta situação, não nos cabe opção outra senão a de manter o combater contra a velha e a nova direita e, simultaneamente, intensificar o processo de rompimento com o projeto petista, suas organizações e características, revisitando as experiências e aprendizados de nossa classe durante outros períodos de acirramento e polarização da luta classista a fim de, a partir da retomada de métodos combativos, caminharmos no sentido de forjar um projeto que esteja a altura dos desafios atuais. Explicitadas na prática as fragilidades, contradições e limitações do projeto social-democrata petista, impõem-se a ruptura, assim como o avanço e o reordenamento de nossas fileiras e de nosso horizonte. Somente assim nos será possível combater as pretensões reacionárias da direita, mas também, os ataques à nossa classe implementados por todos os governos e partidos da ordem sem exceção.
Neste processo, o anarquismo revolucionário pode e deve ter importante papel.